Um olhar sobre os acontecimentos
ao redor do mundo indica que é urgente superar a violência, transformando as
famílias, as cidades e as instituições todas em canteiros onde se cultive a
paz. É preciso contribuir para que as dinâmicas capazes de criar a harmonia e a
fraternidade prevaleçam no cotidiano de todos. O primeiro passo é fortalecer a
paz no próprio coração, compromisso inadiável para reverter um preocupante
cenário: o recrudescimento da violência. O consequente medo provocado por essa
situação faz com que as pessoas se distanciem umas das outras, causando uma
indiferença generalizada. Esse comportamento não contribui para semear a paz.
Alimenta ainda mais a violência.
Em vez de buscar segurança no isolamento, acentuando distâncias,
a humanidade precisa qualificar o modo como vê o mundo, indica o Papa
Francisco. A percepção da realidade deve ser iluminada pela sabedoria da fé,
permitindo que todos se reconheçam como parte de uma grande família. Assim,
cada pessoa vai compreender que o outro também tem o direito às riquezas da
Terra. A fé contribui para que haja a saudável alegria em ver o outro feliz.
Alimenta o compromisso com a vivência da solidariedade – partilhar com
quem precisa de ajuda.
O olhar contemplativo à luz da fé faz brotar a consciência
indispensável para ser verdadeiramente cidadão – operário que semeia diferentes
canteiros da paz. Imagine uma cidade compreendida como um canteiro da paz.
E cada indivíduo, no seu campo de ação, no exercício de suas tarefas,
agindo como operário que cultiva a paz. O resultado será o compromisso efetivo
com a solidariedade, fraternidade e o gosto pelo bem, pela verdade e pela
justiça. Para alcançar esse cenário ideal, uma certeza precisa ser aprendida e
vivenciada: a reverência a Deus tem força educativa, com incidência
transformadora em mentalidades e corações. Corrige descompassos terríveis que
têm raízes na delinquência presente em toda parte.
Singular experiência, cultivar um olhar contemplativo, à luz da
fé, é investir na capacidade para discernimentos e intuição de caminhos novos.
Permite superar o marasmo que enjaula, na mediocridade, os responsáveis pela
construção da sociedade. Esses descompassos é que contaminam
discernimentos, fazendo com que sejam priorizados interesses contrários ao bem comum
e à justiça. A falta do olhar que ultrapassa as superficialidades
cristalizadas, possibilitando enxergar a própria interioridade, é que diminui,
inclusive, a possibilidade de surgirem novos líderes. Sem clareza, habitua-se à
ganância sem limites, busca-se apenas ajuntar para si.
Ver para além das aparências, graças à luz que se propaga com a
presença amorosa de Deus, permite encontrar respostas para os enormes desafios
que ameaçam a paz neste momento da história. Não bastam as considerações
políticas, as estratégias adotadas com o objetivo de alcançar determinados
números. Capacitar-se para ter um olhar contemplativo, experiência humana e
espiritual, é uma necessidade. Abrir mão ou relativizar essa experiência
significa adiar ou banir do horizonte a possibilidade de se conquistar uma
competência indispensável para se buscar a cultura da paz.
A paz é também uma ciência com
gramática específica, a ser aprendida, ensinada e testemunhada. Ela não “cai do
céu”. É, pois, uma construção que exige o engajamento permanente de todos no
irrestrito e incondicional dever de promover e respeitar direitos. Sem esse
compromisso, perde-se a possibilidade de alcançar a verdadeira paz. O olhar
contemplativo, que pressupõe a luz da fé e se desdobra no irrestrito respeito
aos direitos de cada pessoa, deve inspirar as atitudes nos diversos contextos
sociopolíticos e culturais. Todos unidos, trabalhando para fazer com que as
cidades, famílias, instituições e outros ambientes sejam canteiros da paz.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte
Fonte: CNBB
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